Jesus o Bom Pastor

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23 agosto 2010

A NOVA ORDEM MUNDIAL

O que é uma ordem [geopolítica] mundial? Existe atualmente uma nova ordem ou, como sugerem alguns, uma desordem? Quais são os traços marcantes nesta nova (des)ordem internacional?
Esse tema é clássico na geografia política, na geopolítica, na ciência política e nos estudos de relações internacionais. Um dos mais importantes (pelo número de citações que recebeu e ainda recebe) teóricos a abordar esse tema foi o geógrafo e geopolítico inglês Halford J. MacKinder, que produziu várias obras sobre o assunto no final do século XIX e no início do século XX. A idéia de uma ordem mundial pressupõe logicamente um espaço mundial unificado, algo que só ocorreu a partir da expansão marítimo-comercial européia (e capitalista) dos séculos XV e XVI. Daí os autores clássicos, em especial aqueles do século XIX, terem cunhado a expressão "grande potência" ou "potência mundial", indissociavelmente ligada à idéia de ordem mundial. Esta normalmente é vista como uma situação de equilíbrio (sempre instável ou provisório) de forças entre os Estados. (Afinal é o Estado quem atua nas relações internacionais e executa tanto a diplomacia quanto a guerra).
E como esses atores privilegiados no cenário global, os Estados, são equivalentes apenas na teoria -- pois há alguns fraquíssimos, em termos de economia, de população e de poderio militar, e alguns poucos outros extremamente fortes --, o conceito de potências (médias ou regionais e principalmente grandes ou mundiais) é essencial na medida em que expressa algo que ajuda a definir ou a estabilizar a (des)ordem mundial. Como assinalaram Norberto BOBBIO e Outros (Dicionário de Política, editora Universidade de Brasília, 1986, pp.1089-1098), cada Estado possui a sua soberania ou poder supremo no interior de seu território, não estando portanto submetido a nenhuma outra autoridade supraestatal, o que em tese redundaria numa espécie de "anarquia internacional". Mas a existência das grandes potências e a própria hierarquia entre os Estados introduz um elemento estabilizador, uma "ordem" afinal, nessa situação em que não há um poder global ou universal, isto é, acima das soberanias estatais.
É exatamente essa hierarquia que vai dos "grandes Estados" -- a(s) grande(s) potência(s) -- até os "pequenos", esse sistema de países onde na prática há o exercício do poder pela diplomacia (ou, no caso extremo, pela força militar) e pelas relações cotidianas (comerciais, financeiras, culturais...), o que se convencionou denominar ordem mundial. Por esse motivo, via de regra se define uma ordem mundial pela presença de uma ou mais grandes potências mundiais: ordem monopolar, bipolar, tripolar, pentapolar, multipolar etc. Como podemos perceber, não se avança muito quando se nega a idéia de uma (nova) ordem e se enfatiza o termo desordem, pois toda ordem mundial é instável e plena de conflitos e de guerras. Estas normalmente, salvo raras exceções, são explicáveis pela lógica que preside a ordem mundial e, portanto, não a denegam. Podemos dizer, assim, que o conceito de ordem mundial não é positivista (no sentido de ordem = ausência de contestações e de conflitos) e sim, na falta de um conceito melhor, dialético (no sentido de ordem = algo sempre instável e na qual as disparidades, as tensões e os conflitos são "normais" ou inerentes).
A atual ordem internacional, nascida com a ruína da bipolaridade -- que foi o mundo da guerra fria e das duas superpotências, que existiu de 1945 até 1989-91--, ainda suscita inúmeras controvérsias e costuma ser definida ora como multipolar (por alguns, provavelmente a maioria dos especialistas), ora como monopolar (por outros) ou ainda como uni-multipolar (por Huntington). Aqueles que advogam a mono ou unipolaridade argumentam que existe uma única superpotência militar, os Estados Unidos, e que a sua hegemonia planetária é incontestável após o final da União Soviética. E aqueles que defendem a idéia de uma multipolaridade não enfatizam tanto o poderio militar e sim o econômico, que consideram como o mais importante nos dias atuais. Eles sustentam que a União Européia já é uma potência econômica tão ou até mais importante que os EUA -- e continua se expandir -- e tanto o Japão (que logo deverá superar a sua crise) quanto a China (a economia que mais cresce no mundo desde os anos 1990) também são economias importantíssimas a nível planetário. Além disso, raciocinam, a Rússia ainda é uma superpotência militar, apesar de sua economia fragilizada; a China vem modernizando rapidamente o seu poderio militar; e as forças armadas da Europa, em especial as da Alemanha, França, Itália e Reino Unido, tendem a se unificar com o desenrolar da integração continental.
Até mesmo os momentos de crise (Guerra do Golfo, em 1991, conflitos na Bósnia e no Kosovo, em 1993 e 1999, a luta contra o terrorismo, em 2001, e a ocupação do Iraque, em 2003) são vistos sob diferentes perpectivas por ambos os lados. Os que insistem na monopolaridade pensam que essas crises exemplificam a hegemonia absoluta e sem concorrentes dos Estados Unidos, enquando que os que advogam a multipolaridade explicam que essa superpotência em todos esses momentos críticos necessitou do imprescindível apoio da Europa, em primeiro lugar, e até mesmo da ONU, além de ter feito inúmeras concessões à Rússia e à China em troca do seu suporte direto ou indireto nesses bombardeios contra o Iraque, contra a Sérvia e contra o Afeganistão.
Mas, independentemente do fato de ser uni ou multipolar -- ou talvez uni-multipolar, uma fórmula conciliatória que admite uma monopolaridade militar (mesmo que provisória) e uma multipolaridade econômica --, a nova ordem mundial possui outros importantes traços característicos: o avançar da Terceira Revolução Industrial, ou revolução técnico-científica, e de uma globalização capitalista junto com uma nova regionalização que lhe é complementar, isto é, a formação de "blocos" ou mercados regionais. A revolução técnico-científica redefine o mercado de trabalho (esvaziando os setores secundário e primário e ao mesmo tempo exigindo cada vez mais uma mão-de-obra qualificada e flexível) e reorganiza ou (re)produz o espaço geográfico (com novos fatores sendo determinante para a alocação de indústrias: não mais matérias primas e sim telecomunicações e/ou força de trabalho qualificada, dentre outros). Ela é condição indispensável para a globalização na medida em que esta não existe sem as novas tecnologias de informática e de telecomunicações. Ela influi até mesmo na guerra, pois permite a construção de armas "inteligentes", que destroem alvos específicos sem ocasionar matanças indiscriminadas (e são mais precisas que as armas de destruição em massa, o que significa que não é mais necessário o transporte de grande quantidade delas) e torna as informações algo estratégico para a supremacia militar. Esta última deixa de ser ligada ao tamanho da população ou mesmo à quantidade de soldados (existe uma tendência no sentido de haver menos militares, só que com maior qualificação) e passa a depender da economia moderna, da tecnologia avançada.

PARA SABER MAIS: Como sugestões de leituras sobre o tema, indicamos os seguintes livros bastante acessíveis (e que contêm no final uma vasta bibliografia):
- Ascenção e queda das grandes potências, de Paul Kennedy (editora Campus, 1989). Um exaustivo estudo sobre as "grandes potências mundiais" desde o século XVI até o final dos anos 1980. Ele procura mostrar como era a ordem mundial em cada período e dá uma ênfase especial à ordem bipolar de 1945 até 1989-91.
A nova ordem mundial, de José William Vesentini (editora Ática, 1996). Um sucinto texto paradidático sobre as razões da crise da bipolaridade e as características da nova ordem mundial dos anos 1990 e do início do século XXI.
Novas geopolíticas, de José William Vesentini (editora Contexto, 2000). Uma análise crítica sobre as principais representações geopolíticas sobre o mundo pós-guerra fria: o conflito de civilizações, a universalização da democracia liberal, a nova geoestratégia, o mundo visto como caos ou desordem, etc. 
Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica global, de José William Vesentini (editora Papirus, 2003). Um estudo sobre a pertinência (ou não) das categorias imperialismo e império para a ordem internacional do início do século XXI, com novas reflexões sobre as desigualdades internacionais e sobre a uni-multipolaridade das relações de poder no espaço mundial.

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